MÚLTIPLAS ORALIDADES

Yara Elizabeth Alves

   Apresentação do Conto 

   Compartilho com vocês o conto A onda levou, que produzi ao cursar a disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. A experiência de escrita proporcionada pela referida disciplina foi ótima. Gosto muito de escrever, no entanto o “escrever por obrigação” e o “escrever bem” tem tomado o espaço da escrita espontânea e prazerosa que desde a infância me encantou. Dessa forma, compreendi a produção do conto como uma forma de (re)aproximação do universo que vivia em outrora. Ainda que com responsabilidades escolares bem definidas, passava um bom tempo escrevendo poesias e histórias em um caderno de brochura, com uma capa caprichosamente enfeitada com florzinhas de “bem me quer mal me quer”, que diariamente colhia no jardim de casa e teimosamente colava na capa, acreditando que dessa vez elas não iriam murchar. Um mundo de fantasia expressava-se naquelas letras que ocupavam cerca de três linhas. A fantasia agora se revela em fontes pré-definidas pelo programa de edição de textos. Muitas coisas mudaram, outras tantas permanecem, entre elas a paixão pela escrita e pela leitura, que compõem o encantamento pela educação.

Yara Elizabeth Alves

  

   Conto

   A onda levou

   Júlia estava ansiosa para conhecer a “cidade grande”. Seus pais, os dois irmãos, e suas três tias com os respectivos filhos e maridos, somavam quase 20 pessoas que saíram a noite do vilarejo de Nossa Senhora da Glória e chegara a rodoviária ainda de madrugada, fazendo um imenso alvoroço.

   Era a primeira vez que Júlia, sua irmã mais nova e seus primos iam à capital, seu irmão mais velho e seus pais já o fizeram em ocasião anterior. Era sem dúvidas, uma viagem especial para toda a família, iriam participar do casamento de uma sobrinha, filha única, que saiu do interior ainda criança com seus pais. A família conseguiu estabilidade financeira na cidade, e a menina, já moça formou-se e quando mulher foi pedida em casamento por um “bom partido”. Eles faziam questão que todos os parentes do interior participassem da cerimônia e da grandiosa comemoração.

   Embarcaram na rodoviária bem cedo, Júlia passou toda a viagem com o pensamento longe, imaginando todas as boas surpresas que poderia lhe acontecer na cidade, de todas, a mais sonhada era conseguir um namorado, casar-se e morar na cidade, não sabia explicar o porquê, mas não gostava do interior como quando era menina, a moça que na semana passada havia completado 18 anos, já não via mais graça nas brincadeiras debaixo das árvores, nas prosas ao redor da fogueira, no calor do fogão de lenha, e nem mesmo no canto dos pássaros.

   Já havia anoitecido quando chegaram a capital do Rio de Janeiro, foram direto para a casa dos parentes que os receberiam, dois dias depois seria o tão esperado casamento. A família de Júlia foi muito bem recebida, todos foram bem acomodados. Ao acordarem o que mais queriam era ir à praia, os mineiros costumam adorar a praia, mas eles ainda não a conheciam. Cada passeio era uma verdadeira excursão, todos juntos, felizes por estarem na cidade, como era de se esperar tudo para eles parecia novidade, porque de fato era; o movimento intenso dos carros a arquitetura da cidade o grande número de comércios.

   Chegaram à praia, era um dia lindo e ensolarado. Todos admirados olhavam a exuberante paisagem. Os olhos de Júlia brilhavam ainda mais, o mar era lindo, igualmente lindo era o surfista que deslizava nas ondas. A família de Júlia dispersou-se, enquanto uns queriam tomar uma água-de-coco na sombra de um coqueiro, outros queriam dar uns mergulhos e experimentar a água salgada, já as crianças só queriam mesmo era brincar na areia. Júlia queria ser notada pelo surfista, andava na beira da praia, andava não desfilava, como uma modelo que se expõe aos flashes dos inúmeros fotógrafos.

   Porque não seria notada, era uma moça muito bonita de longos cabelos castanhos. O surfista aproximou-se dela, com o jeito carioca próprio de falar, ela o respondeu com o jeito mineiro próprio de agir. A manhã passou e os dois nem perceberam. A família de Júlia não gostou nada quando seu irmão lhes contou que a tinha visto conversando com um carioca, com uma preocupação característica dos pais eles lhe advertiram. Júlia não se importou, pois aquele poderia ser o seu “príncipe”, aquele que possibilitaria a realização de seu sonho; morar na cidade. O surfista e Júlia encontraram-se a tarde para verem o pôr-do-sol , e mais uma vez não perceberam a passagem do tempo. Ela estava completamente apaixonada.

   Toda a família foi para a casa, havia sido um dia cheio, para Júlia principalmente, acreditava que havia encontrado o amor de sua vida, na praia. Amanheceu, era o dia do “Chá de panela” e da “Despedida de Solteiro”, para Júlia não, era dia de praia. Enquanto sua família foi conhecer outros lugares, ela foi à praia encontrar com seu namorado. Seus pais não fizeram imposições, afinal ela já era uma moça.

   No chá de panela da prima, Júlia só pensava como seria quando fosse o seu, em sua opinião seria bem mais bonito e animado. O dia nasceu logo mais a noite seria o casamento tão aguardado, os últimos preparos começaram bem cedo, seria uma cerimônia linda e uma festa magnífica como toda a família sonhava. Júlia e sua irmã mais nova foram designadas para acompanhar a noiva em seu dia de princesa, assim também poderiam se arrumar. Júlia havia convidado o surfista para o casamento, e avisou os seus pais que ele iria para pedir sua mão em namoro oficialmente, sendo assim seus pais poderia deixá-la na cidade, na casa de sua tia por alguns dias.

   O dia de noiva havia terminado e a noite estava começando. Na igreja tudo estava impecavelmente no lugar; as flores, o tapete vermelho a banda. Todos da família já haviam chegado a igreja, exceto a noiva, Júlia e sua irmã mais nova que levaria a aliança até o altar. A noiva como de costume teria que se atrasar. A maioria dos convidados já esperava, pelo início da cerimônia, as madrinhas e os padrinhos estavam prontos e alinhados, no altar o padre os pais dos noivos e o noivo também aguardavam.

   A noiva saiu de casa, o motorista já sabia que faria o caminho mais longo possível, até chegar à igreja, o que incluiria passar pela praia. Na igreja a ansiedade era grande, maior ainda era a aflição do noivo, mãos suadas, coração palpitante. Todos podiam ver sua ansiedade, alguns a julgavam como sinal de amor, mas poucos sabiam o que realmente pensava. Em seus pensamentos fervilhavam questões: será que ela desistiu do casamento, alguém teria revelado todas as minhas traições, ou ela teria descoberto apenas a história de minha amante: sua melhor amiga. Se alguém sabia deve ter revelado, minutos antes do casamento. Teria sido a minha amante, ela não teria coragem, quando começamos nossa história, eu e minha noiva tínhamos apenas uma semana de namoro e se sua amiga não teve coragem de contar naquele momento, não contaria agora, será que falou ontem durante o Chá de Panela. Estes foram talvez os pensamentos mais inocentes que passavam na cabeça do noivo, para explicar o atraso exagerado da noiva.

   O motorista continuava devagar, embora a noiva também estivesse ansiosa, ela dizia o quanto teve sorte em encontrar um noivo tão bom. O caminho era longo, haviam escolhido o caminho da praia, Júlia se limitava a concordar com tudo que a prima dizia e olhar fixamente imaginando que seu namorado, o surfista, estava na igreja para acompanhar a cerimônia e o quanto seria lindo o seu casamento. Quando a sonhadora Júlia viu o surfista, o “futuro marido”, com quem tanto sonhou, a beira do mar com outra moça: fim do casamento, a onda levou…

Yara Elizabeth Alves

1 Response to "Yara Elizabeth Alves"

Yaraaa!!!
Menina, onde você estava escondendo todo esse potencial??? Adorei a apresentação do conto, de verdade! Parece aquelas narrações de filme, fiquei imaginando o caderno, você escrevendo…
O conto, também ficou ótimo! Meu problema com contos é que acabam rápido!rs Queria mais detalhes, queria mais da história da Júlia!
Você já pensou em escrever um romance? Talvez até publicá-lo aqui! Tipo, fazendo a publicação de capítulo por capítulo…Já tem a primeira leitora! =)
Enfim, parabéns! Você realmente não pode deixar as tantas atribuições te impedirem de fazer o que ama desde sempre!
Um grande abraço e continue escrevendo!

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